CINEMA

O Demônio de Neon: um Ritual Sintético da Beleza e da Ruína

Entre os flashes da alta-costura e os reflexos de luz artificial, O Demônio de Neon não é apenas um filme sobre o glamour e o horror da moda – é um conto sombrio sobre beleza, obsessão e sacrifício na indústria da moda.

Um ritual de cores e formas onde a beleza se torna um sacramento e a carne, um altar de sacrifício. Vale a pena você dedicar um tempinho para se inteirar da nossa visão sobre essa obra tão controversa entre os críticos.

Imagem criada por Inteligência Artificial, de um triangulo flutuando na escuridão, inspirado no espírito geral do filme O Demônio de Neon.

Em O Demônio de Neon (“The Neon Demon”, 2016), o diretor Nicolas Winding Refn constrói um conto perverso sobre ascensão e queda, no qual o neon não ilumina, mas consome. O termo “constrói” é bem empregado aqui, porque se trata de uma obra propositalmente artificial, assim como é artificial a indústria fashion que ela aborda. Tem-se de uma perfeita adequação entre forma e conteúdo, na qual a maior contribuição de Refn reside na maneira em que ele explora a estética como narrativa. Estilo que o situa na linhagem dos cineastas mais experimentais e, principalmente, na do Jean Epstein impressionista de A Queda da Casa de Usher, lá nos anos 1920.

Ao contrário de leituras convencionais que o aproximam do visual Synthwave e de filmes como Drive, O Demônio de Neon é uma experiência sensorial que sugere o místico e o ritualístico. Cada cena, portanto, é uma oferenda à obsessão estética; cada composição geométrica é um templo moderno. As cores vibram como sinais eletrônicos de uma divindade distante.

Já a trilha sonora de Cliff Martinez ressoa como um mantra digital, conduzindo a protagonista a uma transformação que ultrapassa o nível do meramente humano!

O que impressiona na obra é que, por vezes, os cenários são tão simétricos e clean, que nos transportam à grande arte renascentista. Justamente a época em que o antigo ideal grego de harmonia geométrica era enaltecido como o suprassumo da beleza. E, por isso mesmo, uma metáfora muito justa para a tese do filme.

Mas o que acontece quando a perfeição se torna um destino inalcançável? E o equilíbrio das formas desanda em uma distorção exagerada e a fotografia se obscurece?

Ora, se a luz neon é divina, sua sombra é a condenação. E O Demônio de Neon irá, portanto, dançar nesse limiar, entre a adoração e a devoração.

Pois bem, mergulhe, agora, num poema em prosa que pretende reinterpretar esse delírio contemporâneo, refletindo sobre a questão angustiante proposta acima.

A luz não é apenas luz: ela corta, fere, dissolve. Um palco sem limites se ergue diante da jovem … Espelhos devolvem a sua imagem como se fossem portais, multiplicando a sua existência, até que o “eu” adolescente se impressione todinho em reflexos.

Um murmúrio vibra nas paredes – um chamado subterrâneo que se ergue dos alicerces da cidade como um feitiço luminoso. No centro do mundo … ela! Um corpo que flutua, mas não lhe pertence. Olhos que refletem a ânsia e o desejo – mas a visão está embaçada por um brilho de ouro: ela é menina demais para entender o perigo!

A cidade a engole com promessas de beleza e imortalidade: é como se fosse o preparo para uma beatificação. Os corredores são templos; os flashes lhe vêm como oferendas. Tudo nela é ritual: o andar pausado, a respiração entrecortada, o peso do olhar que absorve e devolve, como se soubesse que não há escapatória ao destino tão dourado.

Então ela atravessa o véu da realidade e se torna uma lenda … uma lenda para si mesma! Um mito esculpido em luz fria e sombras sutis. Construído pela multidão de bajuladores profissionais.

Todavia, dentro dela, algo ainda pulsa, inquieto. Fragmentos de pensamento deslizam por sua mente como um espelho partido:

“Estou aqui. Mas quem sou eu? Esta pele é minha ou pertence a eles? O que resta de mim quando a beleza se torna tudo?”

Os reflexos respondem, mas nunca com palavras. Apenas brilhos esmaecidos e cores pulsantes – tênues demais para tecerem uma crítica do espetáculo que lhe oferecem …

Sombras que se alongam, que se retalham para logo após morrerem, e sorrisos que nunca alcançam os olhos.

A transformação é inevitável. O sacrifício, silencioso. A cidade pede sangue e ela se entrega — não como vítima, mas como oferenda.

E, então, a escuridão consome a luz. Ou, talvez, a luz apenas tenha mudado de forma …

O banquete é montado em um palco vazio. Cortinas cerradas, a sala sem janelas, uma câmara secreta onde bocas famintas se abrem em ritos desumanos. Os corpos que outrora desfilavam agora são devorados; a juventude, triturada entre dentes sedentos de eternidade.

Porém, tudo se faz às ocultas, quando o mal pode se propagar anonimamente.

Risos ocos, ecos distorcidos, o som de algo sendo mastigado, deglutido, apagado. E assim, a desilusão sacrifica outra vítima. Como um ensaio de Ionesco no qual os atores se dissolvem na própria fala, engasgando-se em palavras sem significado.

A digestão do sonho, aliás, acontece em silêncio. Atrás das cenas, por trás dos palcos, longe das vistas da multidão de fãs voláteis.

Ela não está mais ali. Outra musa da cultura pop se foi. Ou talvez até esteja — mas transfigurada em um suspiro, em um resquício de beleza alojado entre costelas que não são mais suas.

A máquina continua girando, a indústria pede mais e o desfile nunca termina. Exige-se produtividade! A fome nunca será saciada.

Lá fora, a grande cidade respira, indiferente. O show continua. Sempre continuará.

Imagem: Arte gerada por inteligência artificial inspirada no filme O Demônio de Neon, para o post acima.

Fábio César formou-se em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu, com pós-graduação em Direção de Arte pela Faculdade Anhanguera.

A resenha foi feita em collab com inteligência artificial.

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