MÚSICA

OMD e a Origem Synthpop do Som Retrowave

OMD: antes de existir Retrowave, havia o Orchestral Manoeuvres In The Dark, um duo inglês que fundiu emoção humana com máquinas frias.

Descubra como o synthpop dos anos 80 ajudou a moldar o som nostálgico e futurista da cena atual.

OMD se apresentando ao vivo em Sheffield, em 2024, com iluminação azul e atmosfera eletrônica, celebrando décadas de synthpop.
Foto 2: OMD ao vivo em Sheffield, 2024. Foto de SJS114, CC0, domínio público via Wikimedia Commons.

O Orchestral Manoeuvres In The Dark (ou OMD) foi um dos grandes pioneiros do movimento synthpop, sendo um dos primeiros duos britânicos a adotar sintetizadores como base principal de sua música. Eles combinaram a experimentação eletrônica com melodias acessíveis, influenciando bandas como Depeche Mode e Erasure. Sua abordagem ousada, assim, ajudou a moldar o gênero e a torná-lo popular bem no início dos anos 80.

Ainda mais notável, o OMD compôs músicas altamente emocionais com ferramentas frias — vocoders, sintetizadores e baterias eletrônicas. Nem por isso, entretanto, caiu na facilidade do pop ameno, dançante ou comercial. Essa tensão entre o humano e o artificial é, em nossa opinião, uma das pontes mais belas entre a amplitude da criatividade humana e os poderosos recursos da técnica quando a serviço da arte.

É verdade que hoje em dia essa ponte não pode mais ser aplicada a outras áreas de trabalho profissional, já que a mão humana vem sendo gradualmente substituída. Porém, no que respeita à música, existem exemplos suficientes para provar que a adoção de tecnologia pode ser benéfica para a criatividade, como é o caso desta nossa banda.

O OMD costumava explorava assuntos não muito comuns para o pop da época, como tecnologia, guerra e espiritualidade. A canção “Enola Gay”, por exemplo, abordava o bombardeio atômico de Hiroshima, enquanto “Electricity” critica o desperdício de energia.

Enquanto isso, no hoje clássico álbum Architecture & Morality, canções sobre Joana d’Arc refletem sobre amor e sacrifício. Não por acaso, aliás, o vocalista Andy McCluskey já declarou, certa vez, que pesquisava profundamente para compor, tratando cada álbum como uma tese acadêmica.

Os músicos do OMD foram muito influenciados pelo krautrock (o chamado “progressivo alemão”), especialmente por bandas como Kraftwerk e Neu! e todo aquele minimalismo ou repetição rítmica típicos. Eles buscavam fundir a energia do punk com a precisão eletrônica alemã, criando, dessa forma, um som que combinou ritmo hipnótico com melodias sintéticas. O nome do álbum Organisation, por sinal, é uma homenagem à semente original do Kraftwerk.

Agora, no que tange às ligações com movimentos estéticos anteriores, os músicos do OMD acabaram por rejeitar os clichês do rock tradicional. Em lugar disso, buscaram inspiração na atitude DIY (O famoso “faça você mesmo”) do movimento punk.

É claro que eles admiravam o punk e o glam-rock, mas ainda assim a banda preferiu adotar uma estética própria. Para isso, serviu-se de sintetizadores para criar a sua sonoridade tão diferenciada. Inspirado por artistas como David Bowie e Brian Eno, o OMD buscava uma abordagem mais intelectual e experimental. Distanciou-se, portanto, das convenções do glitter-rock e da discoteca -, muito embora tenha absorvido a liberdade criativa desses movimentos.

Apesar de ser uma dupla (Paul Humphreys e Andy McCluskey), o OMD manteve a estrutura de banda tradicional nas suas apresentações ao vivo, incorporando outros músicos. Esse formato permitia uma performance mais dinâmica e completa, alinhando-se à tradição das bandas britânicas e facilitando a conexão com o público. Dessa maneira, o grupo desafiou a imagem que o Kraftwerk parecia sugerir de que música eletrônica era uma coisa fria e impessoal.

Vale dizer que o OMD sempre demonstrou interesse por temas futuristas e tecnológicos. Ainda que não haja uma ligação direta documentada, a estética e os temas de suas músicas conversam com o expressionismo alemão e a ficção científica clássica. Assim, o álbum Dazzle Ships incorporava elementos experimentais e referências visuais que, de certo modo, remetem ao monumental filme Metrópolis, do diretor Fritz Lang, refletindo preocupações com tecnologia e sociedade. O álbum também utiliza colagens sonoras e gravações de rádio, que sugerem o clima de tensão nuclear da época.

Pois, como já dissemos, a Guerra Fria e a ameaça nuclear foram temas recorrentes nas criações do OMD. “Enola Gay” aborda o bombardeio de Hiroshima de maneira crítica, utilizando uma melodia cativante e um bordão dramaticamente emocional (repetindo a hora da catástrofe) para transmitir uma mensagem anti-guerra. Outras faixas, como “Bunker Soldiers”, também refletem preocupações com conflitos militares e propaganda.

Com seus sintetizadores elegantes e letras densas, portanto, o OMD construiu pontes entre o medo real da guerra atômica e os sonhos (ou pesadelos) tecnológicos da ficção científica e do expressionismo alemão.
Dançar com o OMD, então, era, sem perceber, refletir sobre o destino da humanidade em um mundo cada vez mais frio, mecânico e em ruínas, ameaçado – como ainda hoje também – por ICBMs (enormes mísseis balísticos intercontinentais), bombardeiros estratégicos e silenciosos submarinos nucleares.

Foto 1: OMD in concert at Cambridge Corn Exchange – November 2017 by Richard Humphrey, CC BY-SA 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0, via Wikimedia Commons

Foto 2: OMD ao vivo em Sheffield, 2024 — Foto de SJS114, CC0, domínio público via Wikimedia Commons. https://creativecommons.org/publicdomain/zero/1.0/ 

Fábio César é formado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Foi repórter da Revista Sacred Sound e integrou a editoria de cultura da Revista Eclésia.

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