A Velocidade na Era Cyberpunk
Velocidade: eis tudo! Como a velocidade digital afeta as nossas emoções?
Em um mundo onde o tempo parece prestes a se esgotar, o cinema cyberpunk e a cultura retrowave capturam, com intensidade estética, o drama da aceleração tecnológica e da angústia existencial.
Neste artigo, exploramos de que forma filmes cyber, assim como faixas importantes do Synthwave, traduzem a experiência de viver na era da hiper-velocidade e da sobrecarga informacional. Além, é claro, da ansiedade que nos rasga o coração, todos os dias, corroendo as relações humanas!
Por Fábio Rush
Urgência e Velocidade: um Sintoma do Nosso Tempo!
Quem teve oportunidade de ouvir a música acima e, especialmente, de assistir ao seu videoclipe, facilmente perceberá um dos maiores problemas de nossa época, a saber, a pressão psicológica constante.
Ora, no universo bizarro dos filmes cyberpunk, é muito comum a sensação de urgência ou de atraso, que leva, afinal, à inevitável impressão de efemeridade de todos os projetos humanos.
Fora das telas, somos lançados em um mundo onde tudo é volátil! As pessoas vivem uma situação instável, na qual os compromissos estão sempre vencidos (ou então, prestes a vencer). A janela temporal é curta demais, e os prazos parecem se esgotar sem apelo.
Não há espaço para desfrutar a vida, meditar ou deixar as coisas amadurecerem, pois é necessário agir. É preciso correr!
A Aceleração Visual: Perseguições e Máquinas Velozes
Ora, toda essa pressão emocional, oriunda da velocidade atordoante dos acontecimentos, traduz-se visualmente na filmografia cyberpunk, que é um dos focos deste site. É notória, por exemplo, em um Blade Runner, um Matrix ou em Missão Babilônia (“Babylon A.D”, 2008), em cenas de:
- Perseguições de automóveis
- Máquinas voadoras cruzando megacidades
- Trens-bala cortando paisagens urbanas
- Dispositivos automáticos de precisão em todos os setores da vida
Pois a cenografia dessas obras sugere-nos uma época em que a urgência é o denominador comum. Cada frame parece gritar: “Você está atrasado!”
Assim como na música, na qual você pode sentir, na voz ansiosa da Lauren Mayberry e do Chvrches, toda a batalha para manter as relações de pé mesmo diante do desgaste natural.
O Tempo Enquadrado e a Cronometrização da Existência
Nessa toada, também conseguimos constatar – sobretudo na economia – como o intervalo das transações comerciais, das operações financeiras e das atividades produtivas em geral foi drasticamente reduzido. E, sem dúvida, o nosso sistema de pagamentos instantâneos PIX é o exemplo mais direto que poderíamos apontar!
Já faz tempo que estamos vivendo nessa forma de existência tão apressada. Conforme dizia o demônio Mefistófeles, no poema de Goethe, em uma ode precoce à era da aceleração da vida:
“Se eu posso comprar seis cavalos,
a força deles não se tornará minha?
Posso correr com eles, e ser um verdadeiro homem,
Como se dúzia de patas fossem minhas”.
Sobre esses versos, Marshall Berman lucidamente comenta:
“Os seis cavalos mencionados nos versos sugerem que o bem mais valioso, segundo a perspectiva de Mefisto, é a velocidade.
Em primeiro lugar, a velocidade tem sua utilidade: quem quer que pretenda realizar grandes empreendimentos no mundo precisará mover-se para todos os lados, com rapidez.”
Da Geometria ao Ciberespaço: o Nascimento da Cyberzone
Desde a Antiguidade, a impressão universal de tempo sempre foi vivenciada intimamente pela humanidade, a ponto de ser expressa poeticamente em textos como o capítulo 3 de Eclesiastes, que diz haver “um tempo para todo propósito embaixo do céu”. E entre os gregos, alguns filósofos enunciavam o inspiracional princípio do “NUM’ platônico, fazendo apresentar-se no instante.
Pouco antes da Era Moderna, entretanto, essa impressão vital começou a ser degradada em um enquadramento de ordem geométrica. Bem ilustrado pelo sistema desenvolvido por Galileu Galilei, esse é um esquema gráfico que relaciona o tempo ao espaço, originando a ideia da posição de um corpo ao longo de uma reta. E, com isso, a de velocidade.
Assim, a sensação do tempo se tornou matematicamente consistente, passível de medição cada vez mais rigorosa – exata até o nível dos relógios atômicos. E daí, portanto, uma obsessão técnica a ser atingida, explicitada nas divisões cada vez menores dos intervalos.
O segundo foi estabelecido como unidade mínima de mensuração, mas já é considerado lento demais para fenômenos de nossa realidade contemporânea na qual reações químicas ultrarrápidas, eventos quânticos, ou a investigação das origens do próprio espaço-tempo exigem falar em milissegundos e coisas assim.
Essa impressão de simultaneidade – tudo acontecendo no mesmo instante!- certamente se acentua no âmbito virtual. Nele, bits e algoritmos funcionam em outra escala de temporalidade, cuja rapidez atingirá, em breve, níveis inimagináveis quando a computação quântica finalmente estiver pronta para uso.
Vivemos, dessa maneira, dentro de uma autêntica grade de precisão, que neste artigo denominamos como a Cyberzone. Ou seja, um território físico já imerso no meio virtual, em que ciberespaço e interzonas formam um ambiente em contínua emergência, onde a transição apressada dos eventos dita as regras e os acontecimentos se tornam mera ocorrências de rotina.

Complexidade e Fragmentação: o Abismo da Informação
Retomando o que dissemos anteriormente, a nossa batalha contra o tempo tem outro efeito colateral: a complexidade crescente da vida humana. Certamente, um acúmulo incontrolável de dados e informações fragmentou as disciplinas científicas e sobrecarregou a nossa capacidade de síntese.
Hoje, muitas vezes, apenas inteligências artificiais conseguem integrar os resultados de campos diversos num relatório minimamente coerente, de tão esfareladas que as notícias nos chegam!
Essa característica também está presente no cinema cyberpunk, principalmente nas produções que dialogam com a estética da espionagem e da ação geopolítica. O filme Atômica (“Atomic Blonde”, 2017), por exemplo, é emblemático: a trama é tão cheia de reviravoltas, traições e camadas de informação que acompanhar a lógica de ação das personagens se torna uma tarefa quase impossível.
Uma metáfora narrativa para a própria hipercomplexidade da era digital. Ou, nos versos de um poema deste próprio escritor, que soa como se fosse uma cápsula da experiência de vida contemporânea:
ACELERADOR
Magnético
estaticamente
socado!
Dentro do feixe
finíssimo
sutil –
precisão,
tem-se
uma partícula de luz
tresloucada
– como o amor urbano.
…
Ora, se a urgência e a pressão que descrevemos até aqui são sintomas da vida contemporânea, o synthwave surge justamente como uma resposta emocional a essa condição. Não apenas de trilha de fundo, mas como uma espécie de catarse sonora – um grito elétrico, ao mesmo tempo passional e melancólico, diante do colapso da experiência humana em frações de segundos e de bytes.
A faixa a seguir – “Frações de um Mundo” – produzida pela dupla brasileira AX-80s, por exemplo, captura bem essa mistura de vertigem temporal, nostalgia e pulsação amorosa. Uma canção que qualquer um de nós poderia cantar numa madrugada de outono em Neo-Tóquio ou em um bairro periférico de São Paulo, ou nos morros do Rio de Janeiro.
É um trabalho cujo título remete à fragmentação, à sensação de se mover por “pedaços de realidade” . Fato que só denuncia o despedaçamento da experiência digital do mundo cyberpunk.
Synthwave: a Trilha Sonora da Paixão – e da Ansiedade Digital
Perguntamos então: como tudo isso conecta com a cultura Retrowave? Bem, nesse sentimento de se viver aos pedaços, entre cenas aceleradas de um longa-metragem e batidas sintéticas de alguma faixa, é justamente o ponto onde o cinema cyberpunk e a estética musical do Retrowave se fundem.
A resposta, portanto, está nas emoções que tanto o cinema cyberpunk quanto o synthwave evocam. Assim como nos filmes, a música synthwave e cyberpunk constrói uma paisagem sonora de urgência, nostalgia e crise existencial.
Seja nos arpejos rápidos do outrun, nas batidas pesadas do darksynth, ou nas texturas melancólicas do dreamwave, há sempre uma sensação de que estamos em competição contra o tempo, tentando capturar o passado ou sobrevivendo à pressão do presente.
A aceleração visual dos filmes se transforma em aceleração sonora nos sintetizadores. A tensão de uma perseguição urbana vira um baixo pulsante, um kick comprimido, um lead em staccato.
E o abismo informacional da cyberzone ecoa nos pads atmosféricos, nos efeitos de delay infinito, nas linhas de baixo frenéticas.
O Tempo que Voa e a Música que nos Leva …
No fundo, o retrowave é mais do que música: é uma forma de responder artisticamente ao mesmo dilema existencial que o cinema cyber retrata. Então, se você está no Brasil e vive a correria das grandes metrópoles, este texto mostra como o cinema cyberpunk e a música synthwave podem ser válvulas de escape para a sobrecarga urbana.
Portanto, essa sensação de lutar contra a desgastante seta do tempo, de viver entre pixels e prazos curtos, não é apenas um frenesi dos personagens de filmes como Blade Runner ou Atomic Blonde. Ela também pulsa nos sintetizadores do outrun, nas letras enigmáticas do goth e até na melancolia slow-motion do dreamwave.
Assim, toda vez que um arpejo de sintetizador parece imitar o som de um modem antigo ou de um alarme futurista, estamos musicalizando essa era de urgência.
Afinal, o synthwave é a trilha sonora da nossa própria corrida contra o relógio … e o calendário!
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E você? Como sente essa pressão de viver numa realidade acelerada?
Será que a sua playlist tem servido como fuga, protesto, ou trilha sonora para a própria corrida?
Deixe nos comentários: Qual música synthwave melhor representa a sua experiência com a velocidade, nesta era cyberpunk?
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Imagem digital da grade criada por Inteligência Artificial, para o presente texto.
Foto do avião extraída do site PXHere, sob a licença CC0 1.0 Universal.
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Fábio Rush é formado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Além disso, foi repórter da Revista Sacred Sound e integrou a editoria de cultura da Revista Eclésia.