MÚSICA

Videotheque, o Impressionante Clip de NINA e Ricky Wilde

“Videotheque”: como seria um videoclipe que cruzasse os conceitos do noir, do retrowave e do cyberpunk?

A pergunta é simples, mas a resposta dada por NINA e Ricky Wilde em “Videotheque” é fascinante! Glitch, synths e nostalgia visual se fundem numa composição completa, com expressão cinematográfica, como se fosse uma filmagem em fita VHS em algum clube perdido dos anos 80,

Uma imersão em retrofuturismo analógico que funde o gênero synthpop com a “estilística” Tech Noir e a herança pop oitentista — tudo devidamente repaginado em sugestões synthwave.

Quando, anos lá atrás, Billy Idol, Kim Wilde e Max Headroom, usaram a tela para exibir visualmente um estilo fora dos padrões das rádios, eles estavam apontando para o futuro – em plenos anos 80!

Billy e Kim eram heróis do novo pop de então: gente de carne e osso. Já o  Max … esse aí nem sequer era “de verdade”! Ele foi “construído” a partir de um ser humano, para atuar como um apresentador virtual. Dessa forma, a maquiagem e os efeitos davam a Headroom a ilusão de ter sido gerado por computador.

A MTV, os programas de videoclipes e as fitas VHS, logo passaram a divulgá-los. E, desse modo, ajudaram a espalhar esse som e essa estética mundo afora.

Juntos, esses três nomes aí compõem o que podemos chamar de soft cyberpunk pop, ou seja, uma ponte entre o mercado mainstream e o submundo digital daquela época, que viria a moldar toda a estética do Retrowave atual.

Hoje em dia, quando a IA já cria personagens com voz, imagem e movimento, é impossível não lembrar da ideia inventiva de Max Headroom.

E, no que toca à música, o rock-cyberpunk de Idol, ou o soft-cyber glam de Kim Wilde ganham nova vida nesse videoclipe de NINA & Ricky Wilde, que carrega o sugestivo nome de “Videotheque”.

Essa é uma faixa que flerta com a sonoridade synthpop, embalada numa produção afiada, bem típica da cena Retrowave contemporânea –  que, todavia, refaz o caminho trilhado por esses primeiros desbravadores da nossa era digital, desde os anos 80.

“Videoteca”, aqui, pode ser entendida como uma coleção de vídeos – ou seja, de imagens e cenas — muito bem exploradas em várias tomadas, tudo em um único cenário.

A edição, com cortes precisos e ritmo que acompanha o som do duo, ganha força graças à paleta de cores, ao uso pontual do preto-e-branco e à fotografia elaborada.

E o mais legal é como NINA e Ricky restauram, com estilo, o cyberpunk oitentista!

A abertura do clipe empilha muitas TVs de tubo ligadas, algumas com estática ou iluminadas naquele famoso arco-íris vertical que simbolizava falha de transmissão.

Sinais visuais que antecipam o glitch que virá a seguir.

Então, começa a rolar o clipe da dupla, como se fosse alguma transmissão clandestina invadindo a nossa tela — um hack poético na narrativa visual!

Não à toa, os letreiros verdes do velho sistema operacional DOS (era o que havia de mais moderno na época) aparecem digitados no vídeo.

RIcky Wilde, em uma pose cyberpunk roqueira com guitarra.

NINA e Ricky reeditam o visual cyberpunk no figurino. O produtor recria, com a camisa de colarinho em gola alta e um sobretudo digno de detetive noir.

Já a cantora aposta em couro preto, jaqueta e top; e os dois completam o look com os óculos escuros clássicos da cultura cyberpunk.

A verdade é uma só: NINA, aqui, encarna a femme-fatale – não a do filme-noir clássico, mas a DISTÓPICA, do futuro imaginado: poderosa, com presença forte e visual de impacto (igual à Molly, do livro Neuromancer, de Willian Gibson).

Enquanto isso, Ricky Wilde se liga diretamente à cultura pop dominante (o mainstream) dos anos 80, tanto por seu trabalho como produtor da maninha Kim Wilde, quanto pelos synths e estruturas melódicas do synthpop original — agora atualizado, com pegada Retrowave.

No entanto, a direção de arte minimalista foge da estética sobrecarregada que costuma marcar o imaginário cyberpunk.

Em vez disso, ela investe na simplicidade do cenário, com a fotografia equilibrando tanto as luzes de neon quanto as sombras do tech-noir.

O clipe reforça a atmosfera fantasmal de maneira simples, mas poderosa: há uma projeção brilhando atrás de NINA e Ricky — quase como um holograma ou telão que “materializa” os amantes em 3D.

A propósito, a letra diz o seguinte: “Fantasmas são apenas amantes na tela”, o que dialoga em cheio com essa ideia visual. Enquanto o VJ dispara o feixe de luz, os artistas “de carne e osso” contracenam com suas versões holográficas, integrando o digital e o físico no mesmo espaço, misturando e confundindo as realidades.

Ora, isso enriquece bastante o conceito de videoteca como um lugar onde se dança com ilusões — e onde a tecnologia vira paixão, reimaginando a estética soft cyberpunk e o futuro retrô.

Conforme eles mesmo dizem:

Desejo, memória ou simulacro? Bem … a pensar.

A música, no fim das contas, é totalmente futurista: ela casa os sintetizadores e a guitarra rock com refrões ganchudos, que você fica cantando por dias.

Curiosamente, pouco, muito pouco disso, foi feito nos 80’s, em termos de música pop. A maioria dos artistas preferiu o caminho do rock e da New-Wave, assim como a busca pelo estrelato.

Muito dessa perspectiva idealista se perdia das revistas exclusivas de música, como a NME, a nossa Bizz, etc., e assim passava batido.

As ideias mais ousadas, portanto, acabavam ficando mais restritas ao cinema, aos games ou à ficção científica como um todo.

Mas, agora, em pleno século 21, artistas retrowave e cyberpunk retomam a sonoridade e o visual sugerido nos oitentas. E os levam com entusiasmo às novas gerações que não viveram e nem conheceram a época dourada.

Com isso, eles constroem uma visão de mundo retrofuturista, na qual a tecnologia é usada para promover um modelo vintage.

Modelo esse que continua influenciando toda a cena cultural moderna. E que se expande para o cinema, a moda, os games … enfim, a arte.

E, é claro, a música!

Originalmente, “Videotheque” é um hit da dupla britânica Dollar gravada em 1982, gravada numa vibe mais requintada, suave, pelo famoso produtor Trevor Horn.

Em relação ao original, a regravação de NINA & Ricky Wilde manteve o espirito retrô. Mas entrega muita energia através de um synthrock com guitarras direto no estômago e uma produção cinematográfica.

E assim, NINA e Ricky dão a sua contribuição com “Videotheque” de forma conceitual, ajudando-nos a compreender a alma do futurismo retrô.

Foto 1: NINA, cantora e compositora alemã com bases em Londres e Berlin; além disso, ela tocando synth-pop e synthwave music em 22 de março de 2021. Fotógrafo: Rod Trussardi. (Date: 2021-03-22). 

Atribuição: Rod Trussardi – VIZROD Vizualography Media, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons.

Foto 2: Ricky Wilde na Werner Rennen em Flugplatz Hartenholm, Hasenmoor, Schleswig-Holstein, Alemanha, em 30 de agosto de 2019. Foto: Sven Mandel. (Date: 2019-08-30).

Atribuição: Sven Mandel, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons.

Marcel CHAOS é um estudioso de cinema noir e cyberpunk; além disso, é fotografo e editor de Area Orbital.

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