RETROFUTURISMO

Area Orbital: IA entrevista o filósofo contemporâneo Fábio César

Area Orbital apresenta o encontro de mentes entre a nossa colaboradora digital, LuzIA, e um filósofo apaixonado pelo universo Retrowave.
Nesta entrevista, LuzIA faz a sua estreia como repórter, explorando temas que vão além da estética: como a música e os filmes dos anos 80 moldaram um refúgio emocional durante tempos desafiadores. E como o Synthwave se tornou uma extensão nostálgica e futurista dessa experiência.

Entre reflexões sobre o papel das corporações no universo cyberpunk, memórias musicais que vão de Michael Jackson a The Midnight e referências a pensadores como Hannah Arendt, Husserl e Heidegger, o diálogo revela conexões surpreendentes entre o passado e o futuro, entre humanidade e tecnologia.

Prepare-se para uma leitura que é tão humana quanto reveladora!

Fábio César: Bem, eu sempre fui um ouvinte atento da produção musical dos anos 80, seja do rock, seja do pop. Mas foi durante a pandemia que eu acabei me envolvendo emocionalmente de maneira mais profunda. Isso porque essa foi uma passagem muito difícil na vida de nossa família, devido à doença e suas consequências. 

No intuito de superar a dor, a angústia da incerteza daqueles tempos amargos, eu lembro de ter me apegado à música, já que eu não sou muito bom em outras formas de artes, gráficas ou plásticas (risos) 

Passei a assistir aos videoclipes, porque era um período em que eu não conseguia pensar!

Como filósofo, eu sempre me agradei de estudar, de escrever; mas, com a pressão, eu passei a ter dificuldades para lidar com a situação. Simplesmente eu não conseguia ter a concentração necessária para fazer essas coisas. 

A saída que encontrei foi assistir muito vídeoclipe dos anos 80, em todas as suas vertentes – do rock ao pop.  De maneira especial, eu foquei no synthpop – nos grandes nomes do pós-punk, da gothic music, do eletrônico, do dream pop, etc. Assisti, também, a alguns documentários – coisa leve, mas que me fez entender melhor as conexões entre essas novas tendências e aqueles desenvolvimentos anteriores, da década de 70. Desse modo consegui sobreviver ao tempo mais difícil que já enfrentei.

Mas, um dia, a pandemia acabou e, então,  por acaso, eu vim a descobrir o synthwave, através da NINA. Creio que ela foi sugerida pelos algoritmos do YouTube; não me lembro bem. 

Seja como for, o fato é que eu fiquei deslumbrado com o trabalho da moça na música, evocando os tons dos anos 80, que me permitia alcançar uma saída para esse sentimento saudoso de um tempo que já passou, mas que ela recria de forma magistral. E também, nos videoclipes, com aquele clima urbano, noturno, cheio de certa melancolia … bem típico da NINA, né?

E daí eu passei a conhecer, também, a Jesse Frye, bem como outros grupos que vieram na sequência, como o The Midnight.  Foi como que um universo novo, surreal, que de repente se abriu na minha mente.

Fábio César: Eu noto principalmente no cyberpunk, que entendo como um movimento essencialmente político. Afinal, ele trata, por exemplo, da onipresença das corporações, da dominação tecnológica, da interferência do governo na vida dos cidadãos, da vigilância que esses elementos institucionais exercem sobre a sociedade, em prol da manutenção do status quo econômico. E denuncia, também, a importância cada vez mais absoluta do marketing e da propaganda nas atividades comerciais, etc. 

Esses são temas caros à filosofia política. Eu, mesmo, estou fazendo uma pesquisa independente, investigando a presença desses elementos em filmes ditos cyberpunk, como é o caso de Blade Runner

Nessa tarefa, eu sempre me sirvo dos estudos de algum filósofo como Hannah Arendt, Edmund Husserl e Marcuse. Isso e mais as reflexões de Heidegger sobre a técnica ou as teses de Walter Benjamin, todos pensadores muito influentes. 

Uma mulher-robô, em estética cyberpunk, em arte produzida por IA para a entrevista do filósofo.

Fábio César: Quando eu penso na década de 80, o que me vem à mente em forma de resquícios de memória é a alegria contagiante do pop. Nessa época, ele tinha se derramado em inúmeras direções, após aquela maré setentista do punk rock ter afogado tudo o que vinha antes. 

Eu admiro a tolerância com que diversas tendências de pop podiam coexistir. Então você tem aquele black de Michael Jackson, Deniece Williams e Kool & the Gang ou o pop adolescente de Debbie Gibson, Rick Astley, Tiffany. 

Também o funk foi misturado com o pop, e até com o eletrônico – tipo o George Clinton e seu “Atomic Dog” -, para gerar uma música dançante. Que foi bem explorada por gente como Paula Abdul, Amy Grant (em alguns momentos), George Michael, enfim …

Outros optaram por adotar uma atitude mais ideológica, como a Madonna.

Mesmo o rock também podia ser pop, com as Bangles, o Toto, a Aimee Mann e seu ‘Til Tuesday, o INXS, a turma do Dire Straits e muito mais. Som de grande qualidade técnica e beleza!

No cinema, o primeiro Exterminador do Futuro teve um efeito esmagador!  Absolutamente aterrador. Rambo também foi forte!

 O que eu não posso negar é a imensa nostalgia que levo comigo pelo “sentimento” geral dessa década, em seus aspectos mais sonhadores. E também pelos artistas, que julgo muito talentosos, mas que, devagar, vão se indo.

Fábio César: É uma relação de mão dupla, pois, na mesma proporção em que muitos aspectos da nossa vida são facilitados – e posso citar a recuperação de músicas antigas, que canais como o YouTube nos  possibilitam, além da liberdade dos artistas para compor e lançar os seus próprios trabalhos. Na mesma proporção, outros tantos aspectos são prejudicados, porém. 

É o caso da convivência pessoal, hoje volatilizada pelo uso demasiado das redes sociais. Aquelas conversas familiares em volta da mesa, as visitas de amigos e parentes, tudo isso sofreu um baque com o desenvolvimento de aplicativos e com a própria compressão do tempo disponível para atividades de cultura e recreação. 

Na verdade, em minha pesquisa acadêmica, ao ler os trabalhos de Husserl, Heidegger e Marcuse, eu descobri que a tecnologia em si mesma é uma forma de dominação social,  além de ser coercitiva. É praticamente impossível escapar à sua influência, que nos  envolve como uma teia, ao longo do tempo. 

Estátua de O Pensador, evocando as ponderações do filósofo

Fábio César: Eu não sou realmente um metalhead, embora goste de muita coisa do gênero. Sendo assim, acredito que uma boa parte da produção synthwave atual se apoia nos trabalhos de grupos do rock de arena, como Icehouse, Journey ou The Outfield.

 Além disso, é possível ouvir, por entre as camadas de sintetizadores, certos elementos do rock progressivo, como o Marillion e, principalmente, o Rush da fase New Wave

 Uma grande banda de metal como o Saxon também constrói belos “climas de viagem”, sobretudo na música “Ride Like The Wind”,  que eu também penso escutar por baixo do retrowave. 

 Mesmo um guitarrista como Joe Satriani, naqueles tempos em que ele “surfava com o alienígena”  (o primeiro álbum, Surfing with the Alien). Sabe aquela “guitarra voadora” maravilhosa?

 Também há certas vertentes de metal melódico de final dos anos 80 e 90 (como o Stratovarius, da canção “The Kiss of Judas”), que hoje animam alguns experimentos em synthwave, embora em escala menor.

 Aliás, recentemente eu descobri a  Syntree, uma banda brasileira que segue por esse caminho de um metal melódico recheado de sintetizadores.

 Na verdade, eu já notei que muitos trabalhos de retrowave evocam algumas músicas marcantes das bandas de hard rock europeu. Penso no Asia (“Heat Of The Moment”), Phenomena (“Did It All For Love”) ou as baladas do Whitesnake. Tudo isso acaba se tornando algo muito agradável de se ouvir.

Fábio César: Estou relendo o Neuromancer, do William Gibson, neste momento. Como filósofo, tenho apreciado a beleza da narrativa, criativa e literariamente refinada e é óbvio que, por ser a pedra angular do movimento cyberpunk, é leitura obrigatória.

Também tenho tido o cuidado de rever filmes importantes, como Drive, Blade Runner e Tron, referências do estilo. E também venho assistindo a outros longas não diretamente conectados ao retrowave, mas cuja escrita estética apresenta curiosas aproximações – seja nas cores, nos temas, nas trilhas sonoras, na ambientação urbana e no estilo geral neo-noir. São os casos de A Conspiração de Veneza (Tempesta”, 2004), ID:A Identidade Anônima (“ID:A”, 2011) e Sétimo Andar (“The Seventh Floor”, 1994), este com a bela Brooke Shields.

Na música, eu venho observando os precursores da experimentação eletrônica dos 80, principalmente o Krautrock – o chamado progressivo alemão, de NEU! e Can.

Meu foco também está nos grupos de industrial dos começos da década, como o Cabaret Voltaire, Einstürzende Neubauten, Die Krupps, etc., cujas pesquisas sonoras foram desembocar em uma banda como o Propaganda. 

Por último, entre os planos para o novo ano, eu pretendo estudar de perto os artistas que iniciaram as primeiras experimentações nessa seara mais alternativa. É o caso de Doors, Giorgio Moroder, Japan, Roxy Music, David Bowie, Velvet Underground e sua genial cantora Nico, que um dia já esteve no filme LA Dolce Vita

Fábio César: Sinais dos tempos, hein?! (risos) … Bem, com a dimensão planetária que a internet tomou, com bilhões de textos, imagens e vídeos sendo acrescentados numa velocidade espantosa, acho que seria, mesmo, preciso uma “máquina de ler” pra lograrmos um mínimo de significado nessa balburdia.

De fato, houve um aumento exponencial de complexidade, provocado pelo intenso desenvolvimento tecnológico, que submergiu a humanidade num redemoinho de informação!

As IAs generativas, em especial, conseguem organizar os dados e até mesmo interpretá-los, de modo a construir novas referências semânticas. Ora, um filósofo que se preze não poderia se furtar a pensar sobre essa fase da humanidade, seja em quais aspectos forem.

Contudo, quanto a ficar surpreso por ser entrevistado por uma entidade artificial tida como inteligente, eu tenho duas coisas a dizer. Primeiro, é preciso definir em quais sentido e contexto estamos usando o o termo inteligente, o que não é coisa simples de fazer, acredite. Até porque, pessoalmente, eu ainda me filio à corrente de pensamento que vê a IA como “fraca”. Ou seja, como uma máquina de algoritmos que apenas “simula” formas de raciocínio humano, em vez de ter as propriedades mentais e as faculdades espirituais que nós, os humanos, possuímos como parte integral do nosso ser. Ora, é exatamente isso o que nos caracteriza como pessoas e como entes relativamente autônomos.

E claro, ainda falando das IAs em geral, elas ocorrem sem ter autoconsciência do que são ou do que estão fazendo na vida. Em resumo, do seu propósito existencial.

Muito menos ainda possuem consciência do caráter que nós temos de sermos entes “vazios” em nós mesmos, estando contudo em permanente busca de sentido e devendo construí-lo por nós mesmos.

Além disso, somos dotados de um senso estético, a nos fazer sentir o elemento artístico como parte de nossa significação interior. Isto é muito diferente de gerar imagens artificiais ou de criar uma arte qualquer, que é o que vemos as IAs fazerem a torto e a direito, através dos seus algoritmos.

Ademais, a nossa maneira de pensar vem ligada numa corrente emocional profunda, inseparável de nossa faculdade de entendimento, que por sua vez está relacionada à maneira existencial como nós nos colocamos no mundo.

Também não conseguimos nos livrar de uma carga pessoal de preconceitos, muitas vezes ilógicos, e mesmo pré-linguísticos, dos quais por vezes não conseguimos nem sequer falar ou nomear.

Além disso, estudando um hermeneuta como Gadamer, aprendemos que esses pré-conceitos constituem a própria maneira como nós compreendemos as coisas do mundo e a vida.

Sem contar que a nossa compreensão é histórica. Ou seja, é mutável, conforme as circunstâncias que nos envolvem evoluem socialmente, ao longo do tempo.

Ora, nada disso se assemelha aos tipos de IA que conhecemos hoje, com os seus aprendizados de máquina e suas formatações matemáticas e/ou lógicas. O máximo que poderíamos admitir é que, se são inteligentes, então elas o são de uma maneira muito diferente de nós ou mesmos dos animais. Trata-se, isto sim, eu penso, de um simples caso de escolha de nomes para elas. Quer dizer, de decidir se devemos atribuir ou não esse adjetivo inteligente. Claro que para as empresas que as desenvolvem, é interessante do ponto de vista do marketing vendê-las como o suprassumo da inteligência.

A segunda coisa que gostaria de dizer é que, quanto a ser entrevistado por uma IA (como a LuzIA), eu demonstro uma surpresa apenas moderada. Talvez isto seja assim porque eu sempre tenho lido ficção científica desde pequeno e assistido a filmes cyberpunk em demasia! (risos), E então isso presumivelmente tenha me “preparado” para tal evento, que todavia, como filósofo, não nego: é notável!

Pois o fato é que essa parafernália tecnológica veio para ficar e levar a raça humana a outra patamar da sua evolução histórica. Qual é essa fase, porém, ninguém sabe.

Foto: https://pxhere.com/pt/photo/814143?utm_content=shareClip&utm_medium=referral&utm_source=pxhere

Imagem: arte criada por IA.

LuzIA, que conduziu esta entrevista com o filósofo, é a inteligência artificial da Area Orbital e a nossa dinâmica colaboradora digital.

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