AX-80s: Retrowave à brasileira, com alma de guitarra (I)
Você já ouviu uma guitarra te puxar para o passado e um sintetizador te empurrar para o futuro — ao mesmo tempo?! Se ainda não, talvez esteja na hora de conhecer o AX-80s.
Trata-se de um duo brasileiro que vem traduzindo o que é fazer Synthwave sob o céu tropical, com muita personalidade. Vamos nessa?
Por Marcel Calza

AX-80s: nostalgia à flor da pele
O Brasil tem uma relação profunda com a guitarra — e isso molda a forma como o Retrowave acontece por aqui.
No caldeirão musical brasileiro, onde as influências oitentistas ainda reverberam com força entre sintetizadores e memórias distorcidas por fitas VHS, o AX-80s emerge como uma das bandas mais autênticas da cena retrowave nacional. Sua estética mistura o brilho digital do synthwave com a pegada orgânica das guitarras. Uma fusão, portanto, que parece feita sob medida para os ouvidos de uma geração que ainda sonha em neons.
Essa presença marcante das guitarras no som da banda não acontece por acaso. Ela se conecta profundamente com a história musical do Brasil. Nos anos 1980, enquanto os sintetizadores já invadiam os estúdios da Europa e dos EUA, por aqui eles ainda eram raridade. O contexto político e econômico, marcado pela ditadura militar e por um mercado fechado, limitava o acesso a equipamentos importados. A juventude brasileira encontrou, então, na guitarra elétrica — mais acessível, visceral e próxima do rock — o principal instrumento de expressão sonora.
Com isso, o rock brasileiro se firmou como uma força cultural, e esse DNA permanece vivo em projetos como o AX-80s, formado pelos músicos Afrânio Alves e Xande Rosa. Sua sonoridade costura as texturas cósmicas do dream pop, os timbres pulsantes do synthwave e a atitude do rock alternativo, além do lirismo suave que parece típico do Brasil. É uma estética, portanto, que combina o romantismo nostálgico dos anos 80/90 com a fluidez sonora dos tempos atuais — uma espécie de retrô rock futurista.
80 milhas de emoção!
Entre os pontos altos da banda, sublinhamos aqui o incrível solo de guitarra executado por Xande Rosa na faixa “80 Miles”. Trata-se de um momento de pura catarse: a guitarra dedilhada entra como uma lembrança quente e distorcida, como se o tempo derretesse ao som do instrumento. É o tipo de solo que não apenas complementa o arranjo, mas que também diz algo, emociona — e isso, no universo retrowave, é quase um manifesto.
A vibe 80 que a banda transmite é sincera, sem cair no pastiche. Está nos timbres sintéticos, nas melodias nostálgicas, nos reverbs que parecem ecoar em avenidas desertas sob postes de luz azulada. Mas está também na saudade — esse sentimento tão brasileiro — que se infiltra nas letras e nas harmonias. O AX-80s parece entender que, por aqui, o Retrowave não é apenas uma estética: é uma forma de reencenar um passado que quase não vivemos, mas que desejamos intensamente.
Aos que estão em busca, então, de um som que una o melhor da guitarra oitentista, com suas escalas emocionais e texturas memoráveis, ao ambiente sintetizado do retrowave, o AX-80s é um prato cheio. Eles mostram que a cena brasileira pode, sim, ter identidade própria dentro do movimento global — e, além disso, que há espaço para a guitarra ser protagonista no futuro imaginado pelos sintetizadores.
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Você tem se interessado pela cena brasileira de Synthwave? Pela sua inventividade e sabor local? Conte pra nós nos comments, sim ? …
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Imagens: fotos do álbum e do videoclipe da banda
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Marcel Calza é jornalista cultural, tendo editado a revista de rock Sacred Sound de 2002 a 2009. É produtor de shows de 2010 aos dias atuais.