Propaganda -“p-Machinery”: Música e Videoclipe
O videoclipe de “p-Machinery”, do grupo alemão Propaganda, vai além de um simples acompanhamento visual, tão típico da cultura pop dos anos 80. É uma peça crítica que ecoa questões sociais complexas sobre automação, rotina e a perda da autonomia humana. Tudo isso embalado em uma atmosfera sonora intensa, numa estética futurista.
Por Fábio César, em collab com LuzIA
Quando observamos o universo do movimento synthwave, logo percebemos que o design desempenha um papel muito importante, levado a sério seja nas capas dos trabalhos lançados, seja nos videoclipes.
Persiste, nesse meio, a preocupação de se valer de toda uma gama de recursos estéticos (como o uso enfático de determinadas cores, de certas fontes escritas), de grafismos (tal como a famosa grade, geralmente articulada em tons de azul), além de símbolos – por exemplo, os desenhos de carros em estradas, simbolizando a busca por novas sonoridades ou então a evolução artístico-espiritual do músico.
Tudo isso visa, quase sempre, a transmitir uma mensagem não apenas por meios sonoros, mas também gráfico-visuais. E, é obvio, a busca de fontes para a criação desses recursos de comunicação passa pelas décadas de 70 e 80.
Esse tipo de coisa era comum no tempo das bandas de rock progressivo, lá nos anos 70, que chegavam a contratar artistas gráficos famosos para desenhar as capas de seus LPs.
…
Nos anos 80, o surgimento da MTV fez deslanchar a produção de videoclipes, que foram incorporados ao marketing de produtos. Artistas como George Michael, Prince, Duran Duran ou Madonna costumavam investir forte nos seus music-videos. Com efeito, tanto trabalho resultou, algumas vezes, em verdadeiras obras-primas, como é o caso do grupo Propaganda em relação à canção “p-Machinery”.
A “Teologia das Máquinas“
Na música em questão, a banda alemã discute o problema da “automação da vida”, que consiste em levarmos uma existência a cumprir rotinas, principalmente de trabalho. Essa conjuntura social resulta em um modo de ser mecânico, quase como se fôssemos máquinas de produção.
As palavras “Poder, força, movimento, direção” iniciam a música de modo dramático , exprimindo essa existência a serviço da produtividade que nós outros levamos. As letras claramente evocam o filme Metrópolis, do genial diretor Fritz Lang, lá pelos começos do século XX, trazendo à mente as fileiras de trabalhadores recrutados para imensos projetos industriais (como também se vê em Tempos Modernos, do Chaplin).
A certa altura, a vocalista Claudia Brücken canta este verso inquietante, no qual aproxima a noção etérea do destino à reles realidade automatizada de nossa época:
“As rodas giratórias do destino acendem as luzes da cidade
As máquinas chamam os seu seguidores, na noite”
Em minha visão, o mais preocupante é quando a letra da canção fala sobre a “verdade das máquinas”. Será essa a noção de verdade que herdamos da nossa Modernidade?
Teríamos então uma “teologia das máquinas” … Pois certamente há alguma sugestão nesse sentido, na poesia de “p:Machinery”. E, em vários trechos sentimos essa conjuntura sinistra pesando na entonação peculiar de Claudia.
Como Marionetes
Pois bem, é nesse contexto polêmico que o videoclipe dirigido pelo cineasta polonês Zbigniew Rybczyński se destaca, quando os membros da banda se caracterizam como fantoches – como entes vivos manipulados -, de modo a chamar a atenção para o ridículo que é gastar esta nossa única passagem pelo mundo como prestadores a soldo de instituições que exigem de nós produtividade – sejam elas públicas ou privadas.
Produtividade que significa, na prática, o sacrifício de nossa autonomia vital de indivíduos, para nos comportarmos como autômatos. A tarefa do videoclipe, então, é escancarar essa comicidade da nossa vida, facilmente disfarçada pela prática rotineira do cotidiano.
O Legado do Propaganda com A Secret Wish
“p-Machinery” integra uma coleção de músicas espetaculares do Propaganda – de fato, um dos melhores discos do pop dos 80, reunidas no álbum A Secret Wish, de 1985. O grupo carrega nos sintetizadores épicos, integrados à uma percussão muito expressiva, criando uma atmosfera fluida, mas sufocante. E assim o Propaganda deu a sua contribuição para renovar o synthpop da época.
Enquanto muitos artistas do synthpop dos anos 80 buscavam melodias mais acessíveis, o Propaganda ousou trilhar caminhos mais sombrios e reflexivos. Suas composições mesclavam sofisticação tecnológica com letras de uma profundidade quase filosófica. Em A Secret Wish, cada faixa mais parece uma peça de um quebra-cabeça emocional, no qual os sintetizadores não se limitam a desenvolver ambiências sonoras, mas assumem o papel de narradores em uma jornada intensa e, por vezes, perturbadora.
O álbum não foi apenas mais um produto da efervescente cena synthpop da época, mas um divisor de águas. Sob a produção meticulosa de Stephen Lipson, A Secret Wish deu uma trabalheira tremenda para ser feito, mas ganhou uma aura cinematográfica. Seus arranjos, precisos e grandiosos, transitam entre momentos expansivos e passagens mais intimistas, criando uma dinâmica especial. E “p-Machinery”, assim como outras canções do disco, reflete essa fusão entre o mecânico e o emocional, revelando uma sonoridade que é, ao mesmo tempo, fria e profundamente humana.
E, com isso, a banda de Ralf Dörper, Claudia Brücken e Susanne Freytag construiu um legado para os amantes de um som denso e instigante.
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Você costuma prestar atenção a videoclipes? Acredita que eles podem ser um recurso relevante de expressão artística? Ou pensa que eles servem mais como insumos midiáticos para promover os artistas?
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Foto: O Propaganda no Nocturnal Culture Night 13, em 2018, em Deutzen, Alemanha.
Créditos: : Stefan Bollmann, Attribution, via Wikimedia Commons
Local: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Duel_Nocturnal_Culture_Night_13_2018_50.jpg
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Fábio César é formado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Foi repórter da Revista Sacred Sound e integrou a editoria de cultura da Revista Eclésia.
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