MÚSICA

The Human League Moldou o Synthwave – e Você Nem Percebeu!

Não há duvidas de que o The Human League marcou toda uma época com os seus hits emocionantes. Seu álbum Dare revolucionou o synthpop, provando que os sintetizadores poderiam ser emocionais e acessíveis. Mas … será que a banda inglesa dos anos 80 tem recebido todo o reconhecimento que merece, nas décadas posteriores?

Aprecie essa discussão em um artigo cheio de nostalgia. A seguir.

Estou em uma cafeteria no centro de São Paulo, num dia de chuva, pela manhã. O lugar tem um pouco daquela arquitetura industrial inspirada na Bauhaus, com paredes de cores sóbrias e um teto escurecido, como o de uma antiga fábrica reformada. Algumas pessoas também estão por aqui, em suas rotinas matinais, folheando livros, vendo alguma coisa no smartphone ou digitando freneticamente em notebooks.

O aroma do café paira no ar, misturado com o cheiro da chuva lá fora. Eu fico lendo A Dama do Lago, célebre novela policial de Raymond Chandler, imerso na atmosfera noir das respostas afiadas do detetive Philip Marlowe. Enfim, tudo segue um ritmo tranquilo … até que os primeiros acordes inconfundíveis da canção “Human”, do The Human League, começam a ecoar pelo ambiente.

Aquela melodia sincera, envolta em sintetizadores suaves e vocais carregados de emoção, me transporta imediatamente para outro tempo. O desejo imenso de voltar aos anos 80 bate forte, não apenas por uma questão de sentimento pessoal, mas pelo reconhecimento de como aquela era foi revolucionária para a música pop.

O The Human League não foi apenas uma banda mainstream, mas um grupo pioneiro na arte de traduzir a frieza dos sintetizadores em algo humano e profundo. A batida rítmica, os pads etéreos, tudo ressoa com aquele brilho futurista – um timbre que, ironicamente, nunca envelheceu.

O impacto do The Human League no pop eletrônico é inegável. Antes de Dare, a banda ainda possuía um perfil mais experimental, sob influência da cena industrial de Sheffield, ao lado de nomes como o Cabaret Voltaire. Mas quando o cantor Philip Oakey decidiu reformular a formação e incluir as vocalistas Joanne Catherall e Susan Ann Sulley, o grupo encontrou um som mais acessível, sem perder sua essência vanguardista.

Alguns atribuem ao Linn LM-1 Drum Computer e ao Roland Jupiter-4 a sonoridade peculiar desse período. Porém, a verdadeira revolução foi conceitual: o Human League provou que a eletrônica não precisava ser dura e mecânica, como a do Kraftwerk. Antes, podia ser pop, emocional e carismática.

O álbum Dare não foi apenas um fenômeno comercial com Don’t You Want Me – que se tornou um dos singles mais repetidos dos anos 80. Era um disco coeso, repleto de arranjos visionários e texturas elétricas. Faixas como “The Things That Dreams Are Made Of” e “Open Your Heart” revelam a sofisticação do grupo, unindo linhas de synth cristalinas e ritmos hipnóticos que ecoariam por décadas.

Além disso, a produção do álbum explorou técnicas inovadoras, como o uso extensivo de sequenciadores e a manipulação digital das vozes, algo raro na época. Na verdade, pode-se dizer que o objetivo mais geral da galera synthpop era desenvolver um som sem guitarras – ou ao menos um que não se apoiasse inteiramente nelas. É isso o que fez do Human League um dos primeiros grupos a abraçar totalmente a ambiência eletrônica.

Enquanto penso nisso, as gotas de chuva continuam a escorrer pela vidraça, distorcendo a visão da rua. É como se a cidade estivesse presa em um videoclipe antigo, com luzes borradas e silhuetas em movimento. Admira-me como a música guarda esse poder de evocar imagens e lembranças, e como os sintetizadores foram essenciais para criar um mundo de sensações que ainda ressoa no presente.

Apesar do grande sucesso comercial, o The Human League não herdou uma narrativa de “banda cult” como Depeche Mode ou New Order, os quais evoluíram para territórios mais sombrios e alternativos. Ao manter uma sonoridade mais acessível, o trio fincou os pés no pop. Mas, paradoxalmente, isso pode tê-lo afastado do prestígio crítico que outros grupos do synthpop mantiveram.

Outro fator importante é que, enquanto bandas como Erasure e Pet Shop Boys conseguiram se reinventar nos anos 90, o Human League teve uma presença mais discreta nessa época. A partir da década de 90, o interesse por synthpop diminuiu, substituído por outras tendências como grunge, britpop e dance-music mais agressiva (techno e house). Logicamente isso significou menos repercussão para o trio.

No entanto, álbuns como Octopus (1995) mostraram que a banda ainda sabia criar música eletrônica sofisticada, mesmo que longe dos holofotes.

O que podemos dizer de tudo isso? Para os fãs do Retrowave/Synthwave, que adoram batidas eletrônicas e sintetizadores, o Human League deveria ser uma referência central. Seu som foi um dos primeiros a transformar sintetizadores em uma linguagem universal dentro do pop. Algo que artistas contemporâneos como a NINA fazem ainda hoje, com um apelo nostálgico.

Aliás, se você ouve o The Midnight e sente aquela melancolia envolvente, saiba que essa estética já estava presente em faixas como “Human” e “Love Action (I Believe in Love)”. A fusão entre synthpop e emoção, que hoje é um dos pilares do synthwave, teve no Human League um dos seus maiores precursores.

Os conceitos e estruturas sonoras do The Human League reverberam na música cibernética atual, direcionando artistas e gêneros que abraçaram a cultura retrô das últimas décadas. No entanto, essa influência nem sempre é assumida abertamente.

Basta ouvir nomes como FM-84, Com Truise e mesmo o Timecop1983 para perceber como a arquitetura synth da banda inglesa ecoa nos sintetizadores encorpados, ricos em timbres coloridos e em linhas de baixo pulsantes.

Por outro lado, no pop eletrônico contemporâneo, grupos como Chvrches e La Roux resgatam elementos dessa abordagem musical, carregando para os dias de hoje um pouco da atmosfera cyberpunk que o The Human League ajudou a construir lá atrás.

A ironia é que, enquanto essas novas bandas incorporam a vibe dos anos 80, Phil Oakey e sua trupe permanecem ativos, mas sem o mesmo aplauso dentro dessa cena revivalista. Seria hora de reparar essa injustiça?

Definitivamente, sim! A banda ajudou a pavimentar o caminho do eletrônico. Além disso, influenciou diretamente a sonoridade que molda tanto o synthwave contemporâneo quanto aquilo que entendemos por pop futurista, hoje.

Na humilde opinião deste escritor, algumas faixas menos conhecidas, como “Seconds” e “Am I the Law”, por exemplo, que nem ao menos tiveram um vídeo oficial, evocam uma “visão do amanhã” saudosa que remete a eventos marcantes e a séries dos anos 60 / 70, como Túnel do Tempo e Perdidos no Espaço. Não tanto pela musicalidade, mas pelo espírito e pelos ruídos eletrônicos, que parecem traduzir aquele imaginário de futuro analógico, cheio de ecos sintéticos e tecnologia imperfeita.

Sabe aquela sensação de melancolia perdida no tempo – por vezes climática, como a canção “Human”, por vezes mais animada e rodopiante, como em “(Keep Feeling) Fascination)”? É, meu amigo synth, você deve isso ao fascinante grupo de Phil Oakey.

Portanto, se você é fã da estética synthwave, cyberpunk ou vaporwave, talvez seja hora de revisitar álbuns como Dare. E assim, saudar o The Human League como um dos alicerces do que hoje celebramos como paisagem sonora cibernética.

Bem, chego ao fim deste artigo, no café já meio esvaziado; afinal, o relógio não para somente porque o tempo parece suspenso … Através da janela, observo o vaivém da cidade. A chuva tamborila no asfalto, agora já enfraquecendo numa garoa meio fria. Os ônibus lotados seguem pesados, cortando as ruas cercadas por prédios antigos de arquitetura eclética, relíquias do século passado misturadas à pressa do presente.

Ao lado, o Shopping Light, imponente em sua construção de estilo neoclássico, contrasta com os cartazes eletrônicos das vitrines modernas. Perto da esquina, uma moça de calça jeans (seria staroup? …) espera o semáforo abrir, distraída pelo celular. Os carros buzinam impacientes, presos no congestionamento matinal. No meio da calçada, um homem sem teto se protege sob um toldo, enquanto observa a vida passar.

Ora, toda essa cena urbana, caótica, parece dançar ao ritmo das canções mais rápidas do The Human League. Porém, a coisa mais importante é que a experiência singela descrita nestas linhas também está à sua disposição para viver, meu caro leitor! Os anos 80 continuam aí.

Fábio César é formado em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Também foi repórter da Revista Sacred Sound; além disso, integrou a editoria de cultura da Revista Eclésia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *