TRON: um jogo político ou somente um filme de entretenimento? (Parte 1)
Entre pixels e jogos de arcade, Tron é um verdadeiro espelho político do futuro!
Um filme que nasceu na Disney, mas que joga entre grades cyberpunk: entre liberdade e controle, entre indivíduo e sistema, entre discriminação e oportunidade.
Uma peça que merece uma apreciação sob ângulos mais ousados que a simples apreciação cinéfila. Aqui e agora!
Por Fábio César

Tron: um passo além da técnica
Quando alguém pede para falar de Tron (1982), quase sempre percebo a mesma tendência: o pioneirismo no uso de computação gráfica, áridas comparações com videogames ou mesmo comentários surpresos com a sua técnica inovadora (para a época). Isso para não mencionar as lembranças nostálgicas da estética dos arcades. Ora, tudo isso é muito justo — mas não basta!
Para mim, Tron pode (e deve) ser visto como uma obra de viés cyberpunk, gênero que, no seu núcleo, é atravessado por questões políticas. Então, quando falo em cyberpunk, penso em um modo de organizar a imaginação política: corporações que muitas vezes se tornam mais poderosas que governos – isso quando não se transformam no próprio governo!; sistemas de vigilância a operar sem trégua; e dilemas tecnológicos que nos colocam diante de futuros distópicos, os quais estão sempre aquém das esperanças que deveríamos cultivar para a humanidade.
Se reduzirmos o filme apenas à façanha técnica, ou ao fascínio de um “jogo virtual”, perdemos a chance de atravessar a camada mais profunda da obra. Ali, Tron se mostra como um comentário político sobre a relação entre indivíduo, sistema e poder — verdadeiro reflexo antecipado da era digital que nos cerca hoje.
Tron: breve sinopse
Kevin Flynn (Jeff Bridges), um jovem programador genial, é “digitalizado” e daí lançado dentro de um mainframe governado pelo autoritário Programa de Controle Mestre.
Nesse universo virtual, repleto de programas cibernéticos escravizados, Flynn se une ao guerreiro Tron para enfrentar a tirania da máquina e lutar pela liberdade dos programas oprimidos.
O Espelho das Interpretações
Nesse ponto, cabe lembrar algo que Humberto Eco destacou: toda obra de arte é aberta, está sujeita a múltiplas interpretações. Que eu, humildemente, arrisco acrescentar: são como um espelho da obra – ou pelos menos, deveriam ser, se observarem o que irei comentar a seguir e que ouvi do meu professor de estética ainda na faculdade.
Entretanto, essa abertura exegética não é um convite para invenções soltas; ao contrário, nos obriga a apoiar a leitura nos elementos que realmente estão presentes na peça. E é precisamente nesse limite que a crítica floresce como uma atividade que mergulha no filme para abrir sentidos.
Assim, ainda que Tron tenha nascido de um estúdio de vocação infantil como a Disney, não devemos nos enganar: há nele muito mais do que entretenimento. È uma obra com envergadura estética e filosófica — e é isso que me interessa. Afinal, nada impede que enxerguemos nele uma obra de envergadura social e política.
É sob esse prisma que este artigo se propõe: não elaborar uma resenha tradicional, tampouco uma análise exaustiva, nem uma exegese fechada.
Prefiro, ao invés, tratar o filme como uma pista de decolagem: de lá, observo como as ideias que ele carrega se projetam para além da tela, alimentando uma reflexão crítica sobre tecnologia, discriminação e resistência.
Um voo que começa nos pixels luminosos de 1982, mas que continua reverberando no presente — esse presente tão neon, tão retrowave e que insiste em se parecer com o futuro imaginado há quarenta anos …
(Continua …)